Imagine-se em um mundo onde a água está escassa, e os banheiros particulares foram banidos. Quem quiser fazer suas necessidades terá que pagar; e se desobedecer as leis, a pessoa é levada a um exílio misterioso, chamado Urinal. É nesse cenário que se passa o musical que estreou em 2001 na Broadway, “Urinetown”, traduzido para o português como Urinal, que estreou sexta-feira, dia 3, no Teatro Núcleo Experimental, em São Paulo.
A primeira reação ao saber que o nome do musical é Urinal nunca é boa, parece impossível levar a sério uma peça com esse nome. Esse é um dos motivos o qual ela mais surpreende: não somente ela se leva a sério, como tem um texto muito pesado que consegue fazer o público refletir e medita durante dias, tudo isso sem perder seu teor cômico.
As músicas de Mark Hollman, com versão brasileira de Fernanda Maia e Zé Henrique de Paula (sob supervisão de Cláudio Botelho) entram em contradição com o texto de Greg Kotis de forma proposital: para quebrar um pouco o teor dramático da situação, cantam-se ritmos animados e que grudam na cabeça. Vale apontar também que os atores não usam microfones e a orquestra é quase acústica, nesse sentido pode ocorrer um estranhamento da plateia, como naipes sobressaindo-se em relação à outros em alguns momentos. No entanto o resultado sonoro é muito belo.
Nesse cenário já descrito, Bonitão (no original, Bobby Strong), lidera um grupo de pobres que não tem condições de pagar as taxas cobradas pelo governo, e acaba se revoltando. O ator Caio Salay dá um show de interpretação, e comove toda a plateia, com uma energia imensa, em especial na cena '”Liberdade é Bom” (Run, Freedom, Run). Bruna Guerin interpreta a filha do chefe da empresa de banheiros públicos, Luz (Hope), uma garota inteligente e com um enorme coração, que se apaixona por Bonitão. Bruna encanta todos com sua voz lírica, além de ser uma das figuras mais cômicas do musical, com traços que lembram muito a Glinda de Wicked.
Outra figura que chama a atenção da plateia é o Policial, interpretado com grandiosidade por Daniel Costa. O personagem, além de ser uma figura escura que trabalha para o governo de forma impiedosa fazendo tudo que é necessário para manter a ordem, também é o narrador do musical. É nessa narração que encontra-se grande parte da influência bretchiana, presente em todo o texto: o narrador discute, na frente do público, coisas da peça que ainda não aconteceram, lembrando por exemplo, os narradores de Into The Woods e A Madrinha Embriagada.
Todo o texto, surpreendente, nos faz sair do teatro cheios de preocupação em relação ao nosso futuro, e à nossa maneira de vida insustentável, como a atual situação de São Paulo já tem mostrado. Urinal pode fazer rir, mas cumpre ferozmente seu papel de nos perturbar. Como diz o policial, “salve Malthus”! E só nos resta a oportunidade de mudar nossos hábitos para não terminar... num Urinal.
SERVIÇO:
Teatro Núcleo Experimental - Rua Barra Funda, 637, São Paulo
Sextas, Sábados e Segundas - 21h
Domingos - 19h
Ingressos: Sábado, Domingo e Segunda: R$40,00
Sextas: Gratuito
Até 6 de Julho